30 março 2015

Manuela de Sousa Marques


Faleceu hoje a ensaísta e germanista Maria Manuela de Sousa Marques. Regiana entusiasta, aqui recordamos um ensaio seu sobre a estreia de Benilde ou a Virgem-Mãe:


Uma peça de José Régio – A polémica estreia de Benilde ou a Virgem Mãe



  • Ficha Técnica
  • Autoria: José Régio
  • Estreia: Teatro Nacional, Lisboa
  • Data: 25 de novembro de 1947
  • Benilde: Maria Barroso (1925-)
  • Eduardo: Augusto de Figueiredo (1910-1981)


Será Benilde ou a Virgem Mãe uma obra de bom teatro?

Cremos que não, porque não provoca a imediata adesão ou o antagonismo emocional que o teatro requer. Os aplausos (e as manifestações de desfavor) de que foi alvo na sua estreia em certo aspeto podem ter sido um equivoco. Pois a maior parte das manifestações de simpatia dirigiu-se não à peça acabada de representar mas ao grande poeta que é José Régio. Como tal eram sobejamente compreensíveis e fundadas. Poucas são as ocasiões que nos são dadas para prestar homenagem a um autor da categoria de José Régio. Qualquer obra sua é sempre valiosa. Originada numa emoção revivida, nunca poderá ser oca ou meramente artificiosa, terá a sua marca e, mais ou menos bem sucedida artisticamente, será autêntica confissão de uma alma. Eis porque foi triste a incompreensão dos poucos que se opuseram ao aplauso devido ao poeta, voz sagrada da revelação das trevas e da luz da alma humana.

Os discordantes equivocaram-se quanto ao móbil dos aplausos, supondo que se dirigiam aquela peça e principalmente à tendência «mística» que viam por ela defendida. Foi um «não-apoiado» dirigido a uma ideologia que forçada e arbitrariamente lhe atribuíam e que na peça se não proclamava. Tomando a obra por pretexto de sectarismo esqueceram, tal como muitos dos que a aplaudiram, a peça enquanto peça e o significado mais profundo que ela encerrava. E assim se perdeu de vista, numa superficial apreensão das situações do drama, qual a verdadeira ideia que o animava, qual o cerne mais fundo que ele continha. Pretende-se ver na obra uma apologia mística e nesta interpretação infundada se uniram possivelmente certos entusiastas a certos detratores, reagindo cada partido conforme o respetivo credo.

Talvez que uns e outros sentissem mais ou menos lucidamente que uma lacuna qualquer dificilmente detetável impedia, apesar da excelência dos atores, uma total entrega e arrebatamento, ou imediato ódio e recusa por parte do espetador. Faltava o momento de sintonia emocional em adesão ou violenta repulsa que é um dos momentos decisivos do verdadeiro teatro. Este exige satisfação imediata porque para isso ele é representação dramática (gr. δρᾶμα) em presença. E assim é preciso optar por aceitar ou rejeitar o mundo do poeta que neste caso é o mundo tal como o poeta o mostra, segundo a ordem que a sua emoção lhe imprimiu. E essa ordem no teatro tem de ser ordem e não caos de onde muitas ordens poderiam nascer: uma oculta, do autor, e outras dos espetadores. Porque o teatro é lugar de emoção coletiva, ele exige unívoca mensagem.

Sempre se procura no teatro uma mensagem decisiva; é isso que José Régio, a quem alguém chamou já o poeta da indecisão, não nos dá nesta sua peça. Seria a «mística» que os neorrealistas pateadores inventaram onde não se encontrava. E é isso que todos lhe acrescentam para suprir a lacuna. Porque em Benilde não há uma tendência imediatamente detetável. A sua decisão última é a indecisão. Se as palavras finais de Eduardo «Há seres que não são deste mundo! Mas este mundo ficaria menor se eles não passassem por cá» podem implicar valorização do misticismo por parte do autor, se a semiconclusão de Eduardo pretende encaminhar a simpatia do público para a protagonista; o certo é que apesar de tudo há na própria peça elementos de destruição, de tal modo que, tal como a peça nos é apresentada, ela implica em última instância o fracasso do misticismo.

A tensão dramática resulta unicamente da inclinação do autor para na própria subversão recuperar a beleza da crença mística. Mas para esta arquivivência de Régio, indeciso entre Deus e o Diabo, não há solução libertadora. Refletindo no final sobre a peça, vemos o espírito de Régio pairando sobre a sua criação no angustioso dramatismo da alma que não pode optar, dilacerada na oposição entre ciência e fé, realidade e sonho, crença e descrença, jubilosa exaltação e desespero profundo. Sabemos que a sua grandeza está na vivência profunda dessa perene oscilação. Sabemos também que Régio não podia por isso mesmo negar-nos que uma das faces do mundo de Benilde é patológica e miseravelmente terrena, e que o louco tem uma grande parte de responsabilidade na situação criada – o louco de quem Genoveva afirma que não é tão imbecil como parece; nada disto nos nega Régio, mas ao mesmo tempo compraz-se em negar emocionalmente esta miséria deliciando-se na revelação da beleza poética dos êxtases.

É subtil e poeticamente eficiente para quem lê a sua obra poética. Porém Régio esquece que destinou Benilde ao teatro, e que não é só o pathos lírico que nos impressiona no palco. Esquece também que a sua indecisão provoca no público um mal-estar que dificulta a simpatia pelos voos místicos da protagonista e pela subtil tensão emocional que não permite que a repulsa tome a primazia. Nenhum destes sentimentos se define para se sobrepor ao seu contrário, criando assim um mal-estar que esfria a nossa emoção. No teatro vamos procurar a empatia. Régio, mesmo formalmente, na linguagem que usou, teve um cuidado realista que imprime à peça o aspeto de uma ocorrência real sem fazer intervir a informação formativa da mensagem do autor. Há porém uma mensagem, como já dissemos: a indecisão. Paradoxalmente, e como era de esperar, Régio decide-se pela indecisão. Porém talvez o teatro exija uma mensagem mais simples e imediatamente acessível.


Manuela de Sousa Marques
1947, 2009.

texto em: http://manuela.delfimsantos.net/Regio.html


Todos me vão morrendo, — todos que eram a árvore de que fui um dos ramos.
Cada um que partiu me levou um pedaço vivo da alma.
E agora, partiu Quem amei sobre todas as pessoas do mundo. Já sou um ramo partido que apodrece no chão.


José Régio, A corda tensa, Colheita da Tarde

26 março 2015

Henrique Villaret escreve biografia de João Villaret destacando a correspondência com José Régio


Henrique Villaret escreve biografia de João Villaret


João Villaret - Duas mãos que abertas deram tudo


Esta fotobiografia escrita por Henrique Villaret, foi apresentada no dia 27 de Março no Salão Nobre do Teatro Nacional D. Maria II.

Resultado de um longo trabalho de investigação, recolha e organização, esta obra comemorativa do centenário do nascimento de João Villaret (1913-1961) inclui inéditos da vida artística daquele a quem em Portugal chamavam «Génio Dramático» e no Brasil «Milagre Humano».

Com capa dura, tem 520 páginas. PORÉM, LAMENTA-SE A AUSÊNCIA DO ÍNDICE ONOMÁSTICO, INDISPENSÁVEL NUMA OBRA DESTE TIPO.

Ao longo do livro, é de destacar a correspondência com António Botto, Miguel Torga, Palmira Bastos, João Gaspar Simões, Alfredo Cortez, José Régio...

LER MAIS AQUI
E EM: 'CORRESPONDÊNCIA' 2015.

Livro de poemas de Barroso da Fonte "Braços duma cruz" transcreve carta de José Régio



Durante algum tempo desconheci a criatividade poética de Barroso da Fonte e com o seu livro «Braços duma Cruz», pude saborear 122 poemas da sua juventude, de 1958 a 1961, que estavam perdidos no meio de outro imenso espólio bibliográfico.

É uma edição fac-similada e bem coordenada pelo seu filho, João Pedro Miranda, da Editora Cidade-Berço, de 2015, em que Barroso da Fonte usava o pseudónimo raiano de João Montaño.

Tem uma cruz na capa e a contracapa é a reprodução de uma carta manuscrita de 10.09.1966, que lhe endereçou o escritor José Régio já doente, três anos antes de falecer, agradecendo-lhe os livros «Neves e Altura» e «Formas e Sombras» e diz-lhe:

«(…) O meu Amigo tem que dizer e di-lo, - não se acorrente à moda dos formalismos requintados e ocos. (…)
Também lhe aconselharia a leitura dos nossos grandes poetas e prosadores clássicos (…).
De vez em vez, há versos bastante felizes, versos cheios, nos seus poemas (…)».


O «Preâmbulo» dos «Braços duma Cruz» é assinado pelo João Montaño, tão destemido e de rosto inteiro como Barroso da Fonte que conhecemos e diz-nos:

«acima de tudo amo a lealdade. Poderia ocultar muitos destes versos censuráveis, (…) aproveito tudo quanto tenho de bom e mau».

Amigo leitor, se tiver oportunidade, leia este livro raro, de edição limitada, de belos poemas, dum poeta «antes quebrar que torcer», podendo ser pedido para ecb@mail.pt.

Ler mais em: http://tempocaminhado.blogspot.pt/2015/03/livro-bracos-duma-cruz-com-carta.html.

Ver carta em CARTAS AVULSAS DE JOSÉ RÉGIO.






25 março 2015

Morte de José Régio


A morte de José Régio numa carta inédita de Luís Amaro para Jorge de Sena



[Lisboa,] 31 de Dezembro 69.

Portugália Editora, Lda.
Apartado 289 – Lisboa
Avenida da Liberdade, 13, 3.º D.
Telefones 32 34 38 – 32 53 04 – 32 59 91
Lisboa-2
Portugal



Meu querido Amigo:

Neste trinta e um em que lhe escrevo, vai, com o meu muito saudar, o desejo ardente de um 1970 feliz, com saúde e novos belos livros.

[...]

Então que me diz à morte do [José] Régio, na manhã de 21 para 22 deste mês – isto é, às 7 horas (provavelmente) da manhã de segunda feira penúltima? No sábado o [Alberto de] Serpa já me tinha dito que eram de aceitar as piores perspetivas (o estado dele tinha-se agravado na última semana). E eu devia ter ido visitá-lo logo nesse mesmo fim de semana, e até antes. Mas não fui. A minha ida a Vila do Conde esteve iminente uma vez, mas o [João] Gaspar Simões desencontrou-se comigo (iria no carro dele) e não fui; depois disso, o Régio melhorou, para voltar a piorar – e assim, aos altos e baixos, esteve a saúde dele nestes últimos meses do ano. Na madrugada em que morreu estivera a palestrar com o rapaz que incansável e dedicadissimamente lhe serviu de enfermeiro (emagreceu 10 quilos, o pobre rapaz!); às 5 horas decidira descansarem um pouco, o rapaz adormeceu sentado num sofá, e o Régio dispôs-se também a fechar os olhos. Às 7 ou 7 e meia, passou lá por casa o primo médico, que foi dar com o doente já morto, com a campainha na mão inerte, a cabeça tombada para o lado, serenamente. Supõe-se que teria tido outro enfarte ao passar pelo sono, morrendo assim sem que ninguém lhe tivesse assistido. O tal rapaz (que de dia trabalhava numa casa em frente, de artigos elétricos) ficou impressionadíssimo, mas todos reconhecem que não pôde fazer mais: a sua dedicação foi total. Ninguém melhor do que ele poderia contar, aos biógrafos do Poeta, o que foram os seus últimos meses.

Como não podia deixar de ser, fui ao funeral – e lá estive, pela vez primeira, na velha casa do Poeta, que na verdade não tinha condições nenhumas para abrigar um doente daquela gravidade. Mas ele assim quis, e ninguém o demoveu – apesar de amar a Vida, como bem se reflete no poema que, já doente, me mandou para a tal página (que continuo lentamente organizando) do Estadão; não creio que a poesia tivesse sido escrita já depois de adoecer, ainda que saiba que, já depois de doente e apesar de rigorosamente proibido de fazer qualquer esforço, ele ainda escreveu algumas páginas do último volume da Velha Casa ou da Confissão dum Homem Religioso em que trabalhava (a propósito, envio-lhe também um trecho, que a Flama publica no n.º de hoje e numa reportagem ao escritor consagrada, que é na verdade um perfeito autorretrato e condiz com palavras que ouvi ao poeta numa tarde em que, aqui na Portugália, há uns 6 anos, o reconciliei com o Edm[undo] de Bettencourt – para afinal não mais voltarem a contactar... O [José] Régio ainda pensou, e quis, escrever um artigo sobre os seus [de Bettencourt] Poemas, mas desistiu, talvez por solidariedade para com o [João] G[aspar] Simões. Sei ainda, porque ele mo disse, que o Bettencourt foi das pessoas que ele mais estimou nos seus tempos de Coimbra: tinha por ele uma amizade quase apaixonada, segundo depreendi quando me disse que chegava a levantar-se da cama para ir ter com o Bettencourt [para] reiniciar discussões que tinham deixado em suspenso. Mas, quanto a mim e decerto quanto a toda a gente, o Bettencourt, embora inteligentíssimo, foi pessoa que parou no tempo: incorrigível preguiçoso, a sua cultura e a sua poesia devem ter-se quedado há muitíssimos anos para a posteridade – oxalá me enganasse! – Mas afinal o que eu ouvi nessa tarde reconciliatória foi isto: que, acreditando firmemente em Deus, [Régio] tinha da humanidade uma visão muito precária, isto é: não acreditava nos valores humanos, mas [nos] divinos. Isto condiz com o que vejo agora reproduzido na Flama, numa crónica destacada, belamente ilustrada, mas escrita por um jovem receoso de dizer que a obra de [José] Régio é de facto grande, e bela, e paira acima, infinitamente, dos gostos circunstanciais da mocidade que passa...

A propósito, envio-lhe um recorte miserável, da ‘Nota’ publicada na Vida Mundial (e que presumo escrita pelo [António] Valdemar – sem disso poder ter a certeza). Veja que infâmia! Começa logo pelo pretenso desacordo entre o «coração» e a «frieza» do criador-poeta: como se nos últimos livros não estivesse bem à mostra, e talvez demais até, uma sensibilidade, um quase-romantismo (em que não faltam expressões em desuso, como «arrebol», rosas desfolhadas, etc., que o Poeta decerto empregava conscientemente, marimbando-se para os jovenzinhos a quem elas horrorizam: se essas expressões condiziam com determinadas vivências suas, porque não havia de usá-las, como puro lírico que foi nessa última fase?). Dir-se-ia que o articulista proíbe os poetas-críticos de adoecerem do coração e muito menos de morrerem dele... Já fica prevenido, meu Caro Jorge de Sena!


Não: toda esta republicazinha precisa muito de si. É um crime que o meu Amigo se recuse a escrever sobre os contemporâneos, como vem acontecendo desde há anos (com raras exceções, uma delas, muito recente, para o Helder Macedo). Não. Assim, deixa o quintal das letras entregue apenas ao despotismo dos jovens que julgam dizer a última palavra! Um artigo seu sobre o [José] Régio, agora, a pôr os pontos nos ii, é indispensável. Creio que a Natércia [Freire] tenciona publicar uma Página especial dedicada ao Homem das Encruzilhadas [de Deus] (e humanamente V. sabe bem que o retrato da V[ida] Mundial é de uma parcialidade atroz: se Régio era orgulhoso, e complicado, e contraditório (?), era também de uma extraordinária humanidade que está bem patente nas suas figuras do povo na Velha Casa e nas Histórias de Mulheres, e era uma pessoa simultaneamente humilde, tímida, adorável companheiro pela simplicidade franciscana. É certo que eu não conheci o Régio intimamente – claro que também a mim, tímido mais que todos, ele de certo modo assustava pela inteligência analítica que se lhe reconhecia. Ah, mas nos meus breves encontros com o Régio, e nos almoços com ele quando vinha a Lisboa, era bem o homem simples, igual-aos-outros, apreciador de um arrozinho doce no Mesquita (restaurante que o deixou encantado) e dialogando à vontade com uma criança ou com um pobre-diabo, sem pose nem encadernações de grande homem, nada régio, mesmo... Sabemos que por trás de tudo isso estava uma inteligência que não dormia, o tal orgulho, o tal feroz sentido de independência, etc. Mas, meu Deus, então a sua Poesia não reflete magistralmente todo esse dualismo? E os seus romances também não?).

Basta de falar de um assunto que o meu Amigo conhece muito melhor do que eu. Ah, é verdade: aqui na casa gostariam de publicar um trabalho seu sobre o [José] Régio – estará disposto a fazê-lo? Claro que o tal velho projeto seu, ou o contrato até para a Arcádia, se esfuma no tempo, cada vez mais esfumado... ou não? Oxalá que não.

[...]

Enfim, basta de conversa (aproveitei umas horas em que me deixaram em paz, para falar destas muitas e variadas coisas, algumas das quais com interesse para a casa. Aliás conversar consigo, mesmo assim ao correr da máquina, foi sempre para mim um prazer raro).


Adeus, querido e eminente Amigo! Bom Ano para si, para D. Mécia, para todo o clã, e o abraço apertado do seu velho e dedicado

Luís Amaro


11 março 2015

'Os poetas' de José Régio em novo disco do cantor José Cid



Chega em abril o novo álbum de José Cid. Menino-Prodígio , «álbum muito roqueiro, muito verdadeiro e completamente analógico», terá festa de lançamento a 5 desse mês e Cid avança à BLITZ que o mesmo foi gravado apenas com três músicos: Luís Varatojo (Pólo Norte) na bateria, Chico Martins nas guitarras e contrabaixo e Cid em órgão hammond. Convidados especiais, refere Cid, apenas um: o escritor José Régio, que «oferece» a letra a uma das canções.

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«Há ainda, neste disco, um poema brutal de José Régio, ‘Os poetas (Há certos Reis…)’, que é muito interveniente, que tem tudo a ver com a atual situação política, não só do país, como global», sentenciou (...)».

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