No Bom Pastor
Sento-me ao canto, perto da janela que há já muito tempo espreita a esquina. As mesas, redondas e pequenas, são, no mínimo, muito parecidas com as da minha memória. O tecto conserva a âncora dourada, recordando a firmeza dos ventos que aqui me foram soprados.
Foi o meu avô materno quem mos soprou. Homem grande – não só no físico –, já ralo de cabelo, trazia-me aqui, conversava comigo, mimava-me com sumos, bolos, e sobretudo rebuçados. Frescos pedaços de mel endurecido que me calavam enquanto este ou aquele senhor trocavam ideias com o meu avô.
O meu avô, homem de letras, filosofia e História, adorava conversar, discutir ideias. Adorava os netos e trazia-os às conversas. Eu não percebia nada, mas parecia sempre que discutiam coisas sérias e importantes. Ou talvez não.
Está mais pequeno, o café. É agora mais da esquina, encolhido. Mas a lembrança do meu avô não desaparece, antes se dilui por estas mesas da minha memória, aperfeiçoadas pelo tempo, como um exemplo que só posso sonhar alcançar. Não por falta de vontade, mas porque o céu não mo permite…: o Dr. Orlando Taipa é, na minha lembrança, maior que o tecto azul em cujas nuvens me perco. Mas tenho sempre a ténue esperança de um dia ser metade do homem que o meu avô é na memória que tenho dele.
Gonçalo Taipa Teixeira
22 de Novembro de 2002, Vila do Conde (Café Bom Pastor)