(1903-1975)
Biografia
Fausto José dos Santos Júnior nasceu em Aldeia de Cima, à época pertencente à freguesia e concelho de Armamar (desde 1947 pertence à freguesia de Aldeias, criada nesse ano), em 18 de Março de 1903 (data oficial; a real é 13 de Março). Eram seus pais Fausto José dos Santos, advogado e conservador do Registo Predial, e Dona Laura Amanda Alves Teixeira Basto dos Santos, ambos naturais de Armamar. O casal teve dois filhos: Fausto e Alípio.
Faleceu na aldeia natal, em 23 de Setembro de 1975, em circunstâncias algo dramáticas devido à doença e mostrando sinais de perturbação mental, e ali está sepultado.
Em Junho de 2003, a Câmara Municipal de Armamar comemorou o 1.º centenário do seu nascimento, com uma sessão evocativa, uma exposição bibliográfica e iconográfica, e a edição da biografia-estudo-antologia Fausto José poeta de Portugal, de César Luís de Carvalho. No mesmo ano foi-lhe erigido um memorial em Aldeia de Cima, com o busto do poeta encimando uma pilha dos seus livros, e dado o seu nome à praça central da povoação.
Carreira escolar e profissional
Após os estudos primários em Aldeia de Cima, onde a família residia e possuía bens avultados, frequentou o Liceu Nacional de Lamego (1914-1917) e depois o Liceu Central de Rodrigues de Freitas, no Porto (1917-1920). Seguindo as pisadas do pai, licenciou-se em Direito pela Universidade de Coimbra, que frequentou entre 1920 e 1929. Foi condiscípulo de Horácio de Assis Gonçalves, que viria a ser governador civil de Vila Real.
Inicia a vida profissional como jovem advogado em Armamar, com pouca vocação, pouco nome e pouca clientela. Apresenta-se a concurso para a carreira consular, sem contudo obter sucesso. Abraça então a carreira de conservador do Registo Civil. Exerceu essas funções em Porto Santo (1938-1939), Tarouca (1951-1964) e Peso da Régua (1964-1971).
Em Fevereiro de 1939 casou com Dona Maria Francisca de Freitas Branco, no Funchal. No mesmo ano nasce Bernardo, o filho único.
Foi presidente da Câmara Municipal de Armamar, entre 1940 e 1951. Não apreciava sobremaneira funções burocráticas. Em carta a José Régio, com quem manteve correspondência frequente, dirá: «Decididamente, não nasci para fazer registos e passar certidões que nada me dizem». Queixa-se igualmente do cargo de presidente, que o enreda em pequenas questões de ordem prática. Quando se liberta desse cargo, desabafa, em carta a Alberto de Serpa: «A saída da Câmara, não calculas, foi para mim imensamente agradável e em todos os sentidos. Descansa o espírito que andava sempre ocupado com mil e um cuidados; descansa o corpo que continuamente se deslocava por freguesias, aldeolas e lugares, solicitado por infinitas necessidades, e até descansa a bolsa que frequentemente se esvaziava só para servir os outros (…)».
Do que gostava verdadeiramente era da caça. «A caça é uma evasão… Esquecemo-nos de todos e de tudo! E até das nossas mágoas…» – deixará escrito numa folha manuscrita. E, noutro local: «Cada qual é para o que nasce, diz o povo. Estava escrito: tinha de ser caçador de perdiz. E, para a perdiz, um galgo...». Esta paixão, que o leva a calcorrear incansavelmente montes e vales, ditou-lhe um dos seus livros, É el-rei que vai à caça, de 1951. É também uma das razões principais da sua amizade fraterna com Tomás de Figueiredo, outro grande escritor-caçador, que vinha frequentemente a Aldeia de Cima para umas caçadas ou umas cavaqueiras.
Poeta da presença
Estudante em Coimbra, cedo integrou um círculo de jovens interessados pelas letras, que incluía José Régio, Miguel Torga, Alberto de Serpa, Branquinho da Fonseca e outros – justamente a geração que acabaria por fundar a revista Presença, o órgão da chamada segunda geração modernista. Colaborou nas revistas Byzancio (seis números, em 1923 e 1924), de que foi um dos directores, assinando Fausto dos Santos, e Tríptico (1924). Mas é à Presença que dá colaboração mais assídua, até porque a revista tem uma duração relativamente extensa (1927-1940). Não só colabora, como contribui financeiramente para ela, uma vez regressado à tebaida de Armamar. Em resposta a um apelo de José Régio, escreve: «(…) Sinto verdadeiramente não te poder dar uma resposta mais extensa… mas as finanças no momento presente andam um pouco debilitadas e por isso apenas te envio vinte escudos; contudo logo que me veja mais bem fornecido de massas, não deixarei de concorrer com mais alguma coisa para que a 'Presença' continue singrando (…) com o mesmo aprumo e galhardia com que tem seguido até hoje». Este apoio financeiro repetiu-se com alguma regularidade.
Fausto José era um homem bom, simples, sensível. Confraternizava com os desprotegidos, a quem dedicou O livro dos mendigos, de 1966. «Era modesto, afável, alegre, romântico, desorganizado, bondoso, mulherengo, católico convicto e praticante fervoroso e também caçador de primeira plana e bom garfo. Gostava de discutir, mas sabia ouvir. Não era dos que procuram impor os seus pontos de vista». (Testemunho de um amigo próximo num boletim da Câmara Municipal de Armamar, de 1993).
Além de José Régio, correspondia-se com Alberto de Serpa, Adolfo Casais Monteiro, Branquinho da Fonseca, Tomás de Figueiredo, Vitorino Nemésio. Era apreciador de tertúlias, quer na sua casa de Aldeia de Cima, quer em Vila do Conde (à roda de Régio), quer em Esposende (em casa de Agustina Bessa-Luís). Contudo, a sua atitude era um tanto ausente, talvez devido a problemas de audição, de que se começa a queixar em 1955. Agustina Bessa-Luís recorda: «De todos os que vinham pelo Diana-Bar, à tarde, era o Fausto José quem não conversava solenemente, como quem diz missa. (…) O Fausto ficava no seu castelo, a fumar e a sorrir. Ouvia ou não ouvia? Era uma surdez angélica (…)».
Lado a lado com a criação poética, faz palestras aos microfones da Rádio Alto Douro sobre temas literários, a partir de 1954.
Se a poesia dos presencistas é, na sua quase totalidade, de matriz provincial, como nota David Mourão-Ferreira, a de Fausto José e a de Francisco Bugalho são-no mais que qualquer outra. Para isso terá contribuído o facto de ambos viverem em meios provincianos: Fausto José em Armamar, Francisco Bugalho em Castelo de Vide. A poesia de Fausto José «(…) representa, no grupo [de Presença], um compromisso com a lírica saudosa e folclorizante», escrevem António José Saraiva e Óscar Lopes. E João Gaspar Simões diz: «Tal como o lirismo desses mestres (Rodrigues Lobo, Gonzaga e João de Deus) também o dele anda mais perto da natureza que da cultura, é mais elementar que erudito, participa mais na vida das coisas que na vida das letras».
É certo que, nos primeiros livros, ainda se podem notar uns laivos de presencismo. Mas torna-se difícil ligar a sua poesia tradicionalista, bucólica, compassiva, suave, toda voltada para a vida exterior, um pouco à maneira do Guerra Junqueiro de Os simples, com a poesia dos homens da Presença, centrada na subjetividade e na vida interior. Essa poesia, não obstante o afastamento temático e formal em relação ao modernismo, era aceite pelos companheiros porque a reconheciam como viva e autêntica – valores essenciais para a geração da Presença. Por tudo isso, Luís Veiga Leitão sustenta que «as ligações de Fausto José com a Presença são de natureza mais acidental que de facto». E, mais adiante: «Há, a espaços, na poesia de Fausto José, uma serenidade e candura que vivamente impressionam. É o chamado 'lirismo puro'». E Montezuma de Carvalho adianta: «Talvez o campo e um maior contacto com a natureza expliquem essa paz que reina na sua poesia».
Eugénio Lisboa, por seu turno, considera: «Pureza, sinceridade, melancolia, luminosidade, um certo tradicionalismo arreigado – são de facto características definidoras desta poesia discreta mas autêntica».
Já agora, interessará conhecer também o que o próprio poeta pensava da poesia: «(…) sensibilidade apurada, poder de expressão, ternura, piedade, enfim, os sentimentos mais puros e mais belos, que são as asas com que a alma se eleva para as alturas (…)».
Bibliografia
Da sua bibliografia constam dez títulos de poesia: Fonte branca (1928); Planalto (1930); Remoinho (1933); Síntese (1934); Solstício (1940); Embalo (1942); Dona Donzela Senhorinha (1946); É el-rei que vai à caça (1951); Voz nua (1957); e O livro dos mendigos (1966). Hoje muito difíceis de encontrar, estes dez livros foram reunidos pela Câmara Municipal de Armamar em dois volumes, publicados em 1999, sob o título genérico de Obra do poeta Fausto José, e prefaciados por Agustina Bessa-Luís. Publicou além disso uma obra de natureza ensaística, hoje praticamente ignorada: Aspectos da política colonial. A escravatura (1935). Trata-se de «uma dissertação apresentada para 3.º secretário de legação e cônsul de 3.ª classe», no âmbito do concurso para a carreira diplomática.
MENDIGO MORTO
Foram encontrá-lo morto,
Hirto e rijo como um pau;
Toda aquela escura noite
O vento soprava mau,
Caíra neve, e o granizo
Fundia pelo chão liso.
Deitado sobre umas pedras ,
Foram encontrá-lo morto
Ao raiar da madrugada
Como os barcos naufragados
Quando partem as amarras…
Na terra, fundo, cravados,
Seus dedos lembravam garras!
Foi sob a mina do Enxidro:
Tinha os olhos muito abertos,
Tristes como os céus desertos…
E, dentre a barba cerrada,
Uma lágrima gelada
Como uma conta de vidro.
Fausto José, Obra do poeta Fausto José. Vol. 1, Armamar: Câmara Municipal, 1999.